sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A Fábula dos Ratos (Rubem Alves)

Era uma vez um bando de ratos que vivia num buraco.

Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade.

Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de
um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso.

Comer o queijo seria a maior felicidade...

O sonhado queijo estava muito próximo do bando de ratos, mas entre o queijo e os ratos, havia um gato...

O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir.
Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e... Era uma vez um ratinho!

Os ratos odiavam o gato. Quanto mais o odiavam, mais unidos eles ficavam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro...

Diziam que um dia os gatos seriam abolidos e os ratos iriam governar.

"Quando se estabelecer a ditadura dos ratos", diziam os camundongos, "então todos serão felizes".

- O queijo é grande o bastante para todos, dizia um.
- Socializaremos o queijo, dizia outro.

Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse!

Sonhavam... E nos seus sonhos comiam o queijo.

E, quanto mais comiam o queijo, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades
dos queijos sonhados: não diminui nunca; cresce sempre.

Um dia, sem que ninguém pudesse explicar como, numa bela manhã, o gato tinha sumido. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era. O gato havia desaparecido mesmo.

Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum.
E foi então que a transformação aconteceu.

Bastou a primeira mordida.

Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados.

Quando comidos, em vez de crescer, diminuem.

Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menos será a porção para cada um.

Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos.
Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto do queijo haviam comido.

E os olhares se enfureceram. Arreganharam os dentes.

Esqueceram-se do gato. E tornaram-se seus próprios inimigos. A briga começou.

Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, como um ato contínuo, começaram a brigar entre si.

Alguns ameaçaram chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem.

O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:

"Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono".

Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando...

Os ratinhos magros e fracos, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido.

O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo.

Tinham todo o jeito do gato, o olhar malvado, os dentes à mostra. Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora.

Os ratos fortes se tornavam cada vez mais fortes. Diziam mentiras para enganar os outros ratos.

Os ratos fracos acreditavam nas mentiras por ignorância ou por medo. Por medo, muitos ratos fracos defendiam os ratos fortes, na esperança ganhar alguma migalha de queijo.

Os ratos fortes criaram impostos. Sempre aumentavam estes impostos. Precisavam arrecadar dinheiro para poder ficar mais fortes e assim poder cuidar do queijo. Criaram mais e mais impostos, porque só eles poderiam cuidar da saúde dos ratos fracos!


"Agora você consegue compreender o que está ocorrendo hoje no Brasil?"

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