sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

As quatro velas

As quatro velas queimavam lentamente.

O ambiente estava tão silencioso que se podia ouvir o diálogo que mantinham.

A primeira disse: - eu sou a Paz!
Sou peregrina pelas estradas do sentimento e busco morada no coração dos homens. Viajo pelos campos devastados pelas guerras e canto a minha canção aos ouvido dos que ainda persistem nas batalhas cruéis. Penetro nos lares e espalho o perfume da minha presença. Devo admitir que, apesar da minha luz, as pessoas não têm conseguido me manter acesa.

E, diminuindo sua chama, devagarinho, a PAZ apagou-se totalmente.

Disse a segunda: - eu me chamo !
Tenho me sentido inútil entre os homens. Eles se encontram cheios de tanta tecnologia e conquistas, que não me escutam. Não querem saber das verdades espirituais. Insistentemente, tenho batido às portas da razão humana, demonstrando que, sem minha luz, logo, logo cairão em trevas densas e sofridas. Porque eu sou a chama que se apresenta quando o desengano aparece. Sou a luz que brilha na noite da desilusão. Sou a companheira dos que padecem males sem conta. Mas, como tenho sido desprezada, não faz sentido eu continuar acesa.

Ao terminar sua fala, um vento bateu levemente na FÉ e ela se apagou.
Rápida e triste a terceira vela se manifestou: - eu sou o Amor!
Não tenho mais forças para queimar. As pessoas me deixam de lado, porque tudo é mais importante do que eu: a carreira, os prazeres, as coisas materiais. Os homens só conseguem enxergar a si próprios, esquecendo-se até dos que estão à sua volta.

Dito isto, o AMOR recolheu a sua chama e se apagou.

De repente...
Entrou uma criança e viu as três velas apagadas.
- O que é isto? Vocês deviam queimar-se e estarem acesas até o fim. E, dizendo isto, começou a chorar.

Então a quarta vela falou:- não tenhas medo menino,
enquanto eu tiver fogo podemos acender as outras velas,
Eu sou a Esperança!!

O menino com os olhos brilhantes, pegou a vela que restava...
E acendeu todas as outras...

QUE A VELA DA ESPERANÇA NUNCA SE APAGUE DENTRO DE NÓS...



“Milhares de velas podem ser acesas de uma única vela e a vida da vela não será encurtada. Felicidade nunca diminui ao ser compartilhada”

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Natal? (Uma reflexão de Rubem Alves)

“… Natal me deixa triste. Porque, por mais que o procure, não o encontro. Natal é uma celebração. As celebrações acontecem para trazer do esquecimento uma coisa querida que aconteceu no passado. A celebração deve ser semelhante à coisa celebrada. Não posso celebrar a vida de Gandhi com um churrasco. Ele era vegetariano, amava os animais. Uma celebração de Gandhi teria de ser feita com verduras, água, leite e um falar baixo. Mais a leitura de alguns textos que ele deixou escritos. Assim Gandhi se tornaria um dos hóspedes da celebração.

Agora, um visitante de outro planeta que nada soubesse das nossas tradições, se ele comparecesse às festas de Natal, sem que nenhuma explicação lhe fosse dada, ele concluiria que o objeto da celebração deveria ser um glutão, amante das carnes, bebidas, do estômago cheio, das conversas em voz alta, do desperdício. Nossas celebrações de Natal são como as cascas de cigarra agarradas às árvores. Cascas vazias, das quais a vida se foi. Se perguntar às crianças o que é que está sendo celebrado, eles não saberão o que dizer. Dirão que o Natal é dia do Papai Noel, um velho barrigudo de barbas brancas amante do desperdício, que enche os ricos de presentes e deixa os pobres sem nada.

… Pois é certo que as celebrações do Natal são orgias de ricos, celebrações do desperdício e lixo. Celebrações do lixo? Aquelas pilhas de papel de presente colorido em que vieram embrulhados os presentes, não são elas essenciais às celebrações? Rasgados, amassados, embolados num canto. Irão para o lixo. Quantas árvores tiveram de ser cortadas para que aqueles papéis fossem feitos. Para quê? Para nada. A indiferença com que tratamos o papel de presentes é uma manifestação da indiferança com que tratamos a nossa Terra.

Estou convidando meus amigos para uma celebração de Natal. Ela deverá imitar a ceia que José e Maria tiveram naquela noite: velas acesas, um pedaço de pão velho, vinho, um pedaço de queijo, algumas frutas secas. À volta de um prato de sopa de fubá – comida de pobre –, tentaremos reconstruir na imaginação aquela cena mansa na estrebaria, um nenezinho deitado numa manjedoura, uma estrela estranha nos céus, os campos iluminados pelos vaga-lumes. E ouviremos as velhas canções de Natal, e leremos poemas, e rezaremos em silêncio. Rezaremos pela nossa Terra, que está sendo destruída pelo mesmo espírito que preside nossas orgias natalinas…”



sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Lenda Chinesa


Uma lenda chinesa conseguiu explicar de uma maneira bonita e muito convincente:
Os polegares representam os pais. Os indicadores representam teus irmãos e amigos.
O dedo médio representa a você mesmo. O dedo anelar (quarto dedo) representa o seu cônjuge. O dedo mindinho representa seus filhos. Agora junte suas mãos palma com palma, depois, une os dedos médios de forma que fiquem apontando a você mesmo, como na imagem….
Agora tenta separar de forma paralela seus polegares (representam seus pais) você vai notar que eles se separam porque seus pais não estão destinados a viver com você até o dia da sua morte, una os dedos novamente.
Agora tenta separar igualmente os dedos indicadores (representam seus irmãos e amigos), você vai notar que também se separam porque eles se vão, e tem destinos diferentes como se casar e ter filhos.
Tente agora separar da mesma forma os dedos mindinhos (representam seus filhos) estes também se abrem porque seus filhos crescem e quando já não precisam mais de nós se vão, una os dedos novamente.
Finalmente, tente separar seus dedos anelares (o quarto dedo que representa seu cônjuge) e você vai se surpreender ao ver que simplesmente não consegue separá-los.
Isto se deve ao fato de que um casal está destinado a estar unido até o último dia da sua vida, e é por isso que o anel se usa neste dedo.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A caixinha dourada

Uma linda história em homenagem ao mês do Natal:


Algum tempo atrás, um homem repreendeu sua filha por desperdiçar um rolo de papel dourado. O dinheiro estava escasso e o homem ficou incomodado ao ver a menina envolvendo uma caixinha com aquele papel dourado e caro.

Apesar de tudo, na manhã seguinte, a menina levou a caixinha para seu pai e disse:
— Isto é para você, paizinho!

Ele se sentiu envergonhado, mas voltou a falar quando viu que a caixa estava vazia:
— Você não sabe que quando se dá um presente a alguém, a gente coloca alguma coisa dentro?

A menina olhou para o pai e disse:
— Oh, paizinho! A caixa não está vazia. Eu soprei beijos dentro. Todos para você.

Dizem que o homem guardou a caixinha dourada ao lado de sua cama por anos e sempre que se sentia triste, chateado, ele tomava da caixinha um beijo imaginário e recordava o amor que sua filha havia posto ali.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A FANTASIA REAL

Estávamos conversando, eu e meu amigo, no calar da madrugada, quando surgiu uma discussão: Política e Religião.
Este assunto sempre me lembra uma passagem que li no livro ‘’O monge e o executivo’’, a qual o sábio monge do livro dizia: ‘’Eu não posso provar que Deus existe, assim como você também não pode provar que não existe’’. Essa frase me marcou.
Primeiro porque, independentemente de qualquer religião, eu acredito no significado fiel da palavra Religião. A qual significa uma re-ligação (do grego religare) do indivíduo com o corpo, alma e espírito. Seja a crença qual for. E queira você ou não dar o nome deste fenômeno para Religião, os nomes são pura ilustração da nossa consciência, a fim de explicar o inexplicável muitas vezes.
Bom, se está ligado com a falta de crença, com decadência da Igreja ou seja lá o que for, temos um fato no mundo. O aumento de psicopatologias, violência e tragédias. E a que razão isso ocorre?
Está ocorrendo um estímulo cada vez maior, pelo menos na sociedade ocidental, onde cada ser humano deve buscar seu próprio direcionamento. Isso tem muito haver com a questão liberdade, livre-arbítrio. Os sonhos que ocorriam no passado eram baseados em fantasias referentes a uma realidade inacessível, mas possível (escrever, dançar, atuar na profissão desejada, estudar), e que hoje já são palpáveis desde a infância na maior parte dos casos. Se não na vida real, pelo menos de uma forma virtual.
Essa facilidade, e a liquidez das relações, são preocupantes. Vejo que muitas pessoas que procuram uma ajuda psicológica reclamam da falta de sentido de suas vidas. Sentem-se muitas vezes tristes, perante uma sociedade que cobra uma felicidade constante. E aí o movimento passa a ser o contrário, o que antes vinha de dentro para fora (o desejo de se libertar), hoje aparece de fora para dentro. As pessoas já nascem tendo contato com o excesso de informação e a liberdade de expressão, e com isso demoram para perceber qual é realmente a sua própria essência, visto que a sociedade já injetou formatos no modo dela pensar, agir e sentir.
Portanto, as pessoas que se dão conta disso, acabam tendo que se afastar desta realidade para descobrir as próprias fantasias e desejos. E então, descobrir o tal do sentido da vida!
Eis aqui a importância de uma crença, seja ela qual for. Se esta faz com que a pessoa permita ser inundada por sua própria alma, ela será saudável.
Ao escrever essa passagem, lembrei de uma história linda que vou citá-la abaixo:
Um professor durante a sua aula de filosofia, sem dizer uma palavra, pegou um frasco de maionese e o esvaziou... Tirou a maionese e o encheu com bolas de golf.

Em seguida, perguntou aos alunos se o frasco estava cheio. Os estudantes responderam que sim. Então o professor pegou uma caixa cheia de pedrinhas e as colocou no frasco de maionese. As pedrinhas encheram os espaços vazios entre as bolas de golf.

O professor voltou a perguntar aos alunos se o frasco estava cheio, e eles voltaram a dizer que sim. Então... O professor pegou outra caixa... Uma caixa cheia de areia e a esvaziou para dentro do frasco de maionese. Claro que a areia encheu todos os espaços vazios, e mais uma vez o professor voltou a perguntar se o frasco estava cheio.

Nesta ocasião os estudantes responderam em unânime: “Sim!”

Logo após, o professor acrescentou duas xícaras de café ao frasco e claro que o café preencheu todos os espaços vazios entre a areia. Os estudantes nesta ocasião começaram a rir... Mas repararam que o professor estava sério, e disse-lhes:

            “QUERO QUE SE DÊEM CONTA QUE ESTE FRASCO REPRESENTA A VIDA”.

As bolas de golf são as coisas importantes: como a FAMÍLIA, a SAÚDE, os AMIGOS… Tudo o que você AMA DE VERDADE.

São coisas, que mesmo se perdêssemos todo o resto, nossas vidas continuariam cheias.

As pedrinhas são as outras coisas que importam como: o trabalho, a casa, o carro, etc. A areia é todo o resto, são as pequenas coisas.

“Se puséssemos primeiro a areia no frasco, não haveria espaço para as pedrinhas nem para as bolas de golf. O mesmo acontece com a vida”.

 Se gastássemos todo o nosso tempo e energia nas coisas pequenas, nunca teríamos lugar para as coisas realmente importantes.

Preste atenção às coisas que são cruciais para a sua felicidade.

Brinque ensinando os seus filhos,
Arranje tempo para ir ao médico,
Namore e vá com a pessoa amada jantar fora,
Dedique algumas horas para uma boa conversa e diversão com seus amigos,
Pratique o seu esporte ou hobbie favorito.

Haverá sempre tempo para trabalhar, limpar a casa, arrumar o carro...
Ocupe-se sempre das bolas de golf primeiro, que representam as coisas que realmente importam na sua vida.

Estabeleça suas prioridades, o resto é só areia...

Porém, um dos alunos levantou a mão e perguntou o que representaria então, o café.

O professor sorriu e disse:

“O café é só para demonstrar, que não importa o quanto a nossa vida seja/esteja ocupada, sempre haverá espaço para um café com um amigo”.




segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A xícara de chá

O mestre japonês Nan-in concedeu uma audiência a um professor de filosofia.

Ao servir o chá, Nan-in encheu a xícara de seu visitante, mas continuou despejando sem parar.

O professor ficou observando o transbordamento até não poder mais se conter.
- Pare! A xícara está mais do que cheia, nada mais cabe aí.

Nan-in disse:
Como esta xícara, você também está cheio de opiniões e ideias.

Como posso mostrar-lhe o Zen, sem que antes você esvazie a sua xícara?


quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Andar de manhã

Durante as duas últimas semanas tenho começado os meus dias cometendo um furto. Não sei como evitar esse pecado e, para dizer a verdade, não quero evitá-lo. A culpa é de uma amoreira que. desobedecendo às ordens do muro que a cerca, lançou seus galhos sobre a calçada. Não satisfeita, encheu-os de gordas amoras pretas, apetitosas, tentadoras, ao alcance da minha mão. Parece que os frutos são, por vocação, convites a furtos: basta mudar a ordem de uma única letra... Penso que o caso da amoreira comprova essa tese linguística: tudo tem a ver com o nome. Pois amora é palavra que, se repetida muitas vezes, amoramoramoramoramora, vira amor. Pois não é isso que é o amor? Um desejo de comer, um desejo de ser comido... O muro, tal como o mandamento, diz que é proibido. Mas o amor não se contém e, travestido de amora, salta por cima da proibição. Foi assim no paraíso... Os poucos transeuntes que passam por ali àquela hora da manhã talvez se espantem ao ver um homem de cabelos brancos colhendo amoras proibidas. Mas, se prestarem bem atenção, verão que quem está ali não é um homem com cerca de 70 anos, é um menino. E como foi o próprio filho de Deus que disse que é preciso voltar a ser menino para entrar no Reino dos Céus, colho e como as amoras com convicção redobrada. E para que não pairem dúvidas sobre a inspiração teologal do meu ato, enquanto mastigo e o caldo roxo me suja dedos e boca, vou repetindo as palavras sagradas: "Tomai e bebei, este é o meu sangue...". Ah! A divina amora, graciosa dádiva sacramental! Começo assim o meu dia, furtando o fruto mágico que opera o milagre por todos sonhados de voltar a ser criança.

Assim revigorado no corpo e na alma por esse maná divino caído dos céus, prossigo na minha caminhada matutina. Ando não mais que 50 passos e estou sob uma longa alameda de pinheiros. Neles, não há nenhuma fruta que eu possa roubar, pois nada produzem que possa ser comido. Pinheiros não são para a boca. São dádivas aos olhos. É cedo ainda. O sol acabado de nascer ilumina suas espículas verdes, que brilham como agulhas de cristal. Lembro-me de Le Corbusier, que dizia que “as alegrias essenciais são o sol, o espaço, o verde”. Mas os pinheiros sabem mais que o arquiteto, e às alegrias da luz acrescentam as alegrias do cheiro. Respiro fundo e sinto o perfume de resina.

Se me perguntarem no que penso, respondo com um verso Tao: “O barulho da água diz o que eu penso”. Penso as amoras, penso os pinheiros, penso a luz do sol, penso o cheiro da resina.

É tempo da floração das sibipirunas. Verdes e amarelas, elas cresceram dos dois lados da rua onde ando, transformando-a num longo túnel sombrio. Durante a noite, suas flores caíram, cobrindo a calçada e transformando-a num tapete dourado. Desço da calçada e ando no asfalto para não pisá-las. Lembro-me da voz misteriosa que falou a Moisés, de dentro da sarça que ardia: “Tira as sandálias dos teus pés, pois o chão onde pisas é santo”.

Para contemplar esse espetáculo é necessário levantar cedo, pois logo as donas de casa e suas vassouras tratarão de restaurar no cimento a sua fria limpeza. Isso me dói, e com a dor vem o pensamento. Pergunto-me sobre a educação perversa que fez com que as pessoas se tornassem cegas para a beleza generosa das árvores, tratando suas flores como se fossem sujeira. Mas as sibipirunas, indiferentes à cegueira dos homens e das vassouras, repetirão o milagre durante a noite. Amanhã as calçadas estarão de novo cobertas de ouro.

Caminho um pouco mais e chego ao Bosque dos Alemães. Espera-me ali um outro deleite, o deleite dos ouvidos: há uma infinidade de cantos de pássaros que se misturam ao barulho das folhas sopradas pelo vento. Não estou sozinho. Fazem-me companhia muitas outras pessoas, entregues ao exercício matutino do andar e do correr. Estão ali por medo de morrer antes da hora. É preciso exercitar o coração. Mas parece que é só isso que exercitam. Pois, por mais que me esforce, não consigo perceber em seus rostos sinais de que estejam exercitando também o deleite dos olhos, do nariz ou dos ouvidos. Correm e caminham com olhos fixos no chão, graves e concentradas, compelidas pelas necessidades médicas. E, por causa disso, por não saberem ver e ouvir, não se dão conta de um comovente caso de amor que ali se desenrola. Percebi o romance faz muito tempo, quando ouvi os gemidos que vinham do alto. Lá em cima, longe dos olhares indiscretos, um gigantesco eucalipto e uma árvore de rolha se abraçam. Seus galhos entrelaçados revelam o amor dos namorados. Acho que fazem amor, pois, quando o vento sopra fazendo suas cascas se esfregarem uma contra a outra, elas gemem de prazer... e dor.

Ando toda manhã. Por razões médicas, é bem verdade. Mas mesmo que não existissem, andaria da mesma forma, pelos pensamentos leves e alegres que a natureza me faz pensar. Boa psicanalista é a natureza, sem nada cobrar, pelos sonhos de amor que nos faz sonhar.



ALVES, Rubem. As melhores crônicas de Rubem Alves. São Paulo: Papirus.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A Fábula dos Ratos (Rubem Alves)

Era uma vez um bando de ratos que vivia num buraco.

Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade.

Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de
um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso.

Comer o queijo seria a maior felicidade...

O sonhado queijo estava muito próximo do bando de ratos, mas entre o queijo e os ratos, havia um gato...

O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir.
Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e... Era uma vez um ratinho!

Os ratos odiavam o gato. Quanto mais o odiavam, mais unidos eles ficavam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro...

Diziam que um dia os gatos seriam abolidos e os ratos iriam governar.

"Quando se estabelecer a ditadura dos ratos", diziam os camundongos, "então todos serão felizes".

- O queijo é grande o bastante para todos, dizia um.
- Socializaremos o queijo, dizia outro.

Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse!

Sonhavam... E nos seus sonhos comiam o queijo.

E, quanto mais comiam o queijo, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades
dos queijos sonhados: não diminui nunca; cresce sempre.

Um dia, sem que ninguém pudesse explicar como, numa bela manhã, o gato tinha sumido. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era. O gato havia desaparecido mesmo.

Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum.
E foi então que a transformação aconteceu.

Bastou a primeira mordida.

Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados.

Quando comidos, em vez de crescer, diminuem.

Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menos será a porção para cada um.

Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos.
Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto do queijo haviam comido.

E os olhares se enfureceram. Arreganharam os dentes.

Esqueceram-se do gato. E tornaram-se seus próprios inimigos. A briga começou.

Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, como um ato contínuo, começaram a brigar entre si.

Alguns ameaçaram chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem.

O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:

"Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono".

Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando...

Os ratinhos magros e fracos, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido.

O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo.

Tinham todo o jeito do gato, o olhar malvado, os dentes à mostra. Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora.

Os ratos fortes se tornavam cada vez mais fortes. Diziam mentiras para enganar os outros ratos.

Os ratos fracos acreditavam nas mentiras por ignorância ou por medo. Por medo, muitos ratos fracos defendiam os ratos fortes, na esperança ganhar alguma migalha de queijo.

Os ratos fortes criaram impostos. Sempre aumentavam estes impostos. Precisavam arrecadar dinheiro para poder ficar mais fortes e assim poder cuidar do queijo. Criaram mais e mais impostos, porque só eles poderiam cuidar da saúde dos ratos fracos!


"Agora você consegue compreender o que está ocorrendo hoje no Brasil?"

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Como educar sem violência

 
O Dr. Arun Gandhi, neto de Mahatma Gandhi e fundador do MK Gandhi Institute, contou a seguinte história sobre a vida sem violência, na forma da habilidade de seus pais, em uma palestra proferida em junho de 2002 na Universidade de Porto Rico.

"Eu tinha 16 anos e vivia com meus pais, na instituição que meu avô havia fundado, e que ficava a 18 milhas da cidade de Durban, na África do Sul. Vivíamos no interior, em meio aos canaviais, e não tínhamos vizinhos, por isso minhas irmãs e eu sempre ficávamos entusiasmados com a possibilidade de ir até a cidade para visitar os amigos ou ir ao cinema.


Certo dia meu pai pediu-me que o levasse até a cidade, onde participaria de uma conferência durante o dia todo. Eu fiquei radiante com esta oportunidade. Como íamos até a cidade, minha mãe me deu uma lista de coisas que precisava do supermercado e, como passaríamos o dia todo, meu pai me pediu que tratasse de alguns assuntos pendentes, como levar o carro à oficina.

Quando me despedi de meu pai ele me disse: "Nos vemos aqui, às 17 horas, e voltaremos para casa juntos".

Depois de cumprir todas as tarefas, fui até o cinema mais próximo. Distraí-me tanto com o filme (um filme duplo de John Wayne) que esqueci da hora. Quando me dei conta eram 17h30. Corri até a oficina, peguei o carro e apressei-me a buscar meu pai. Eram quase 18 horas.

Ele me perguntou ansioso: "Por que chegou tão tarde?"

Eu me sentia mal pelo ocorrido, e não tive coragem de dizer que estava vendo um filme de John Wayne. Então, lhe disse que o carro não ficara pronto, e que tivera que esperar. O que eu não sabia era que ele já havia telefonado para a oficina. Ao perceber que eu estava mentindo, disse-me: "Algo não está certo no modo como o tenho criado, porque você não teve a coragem de me dizer a verdade. Vou refletir sobre o que fiz de errado a você. Caminharei as 18 milhas até nossa casa para pensar sobre isso".

Assim, vestido em suas melhores roupas e calçando sapatos elegantes, começou a caminhar para casa pela estrada de terra sem iluminação. Não pude deixá-lo sozinho...guiei por 5 horas e meia atrás dele... Vendo meu pai sofrer por causa de uma mentira estúpida que eu havia dito.


Decidi ali mesmo que nunca mais mentiria. 
 

Muitas vezes me lembro deste episódio e penso: "Se ele tivesse me castigado da maneira como nós castigamos nossos filhos, será que teria aprendido a lição?'' Não, não creio. Teria sofrido o castigo e continuaria fazendo o mesmo. Mas esta ação não-violenta foi tão forte que ficou impressa na memória como se fosse ontem.

Este é o poder da vida sem violência".

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O valioso tempo dos maduros (Mário de Andrade)

"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltavam poucas, roeu o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,

O essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial!"      



**Obrigada pela dica Vinícius Oliveira!!

domingo, 28 de agosto de 2011

Modelos Mentais

E assim segue o dia-a-dia, a humanidade, o pensamento cíclico e os hábitos quase que imutáveis. Às vezes me pego pensando o quanto ingrata é a profissão do Psicólogo. Porém, como acredito que tudo na vida tem uma polaridade, percebo (e ainda mais satisfeita) o quanto é nobre o trabalho de ampliar a percepção das pessoas.
É inevitável se deparar com a expectativa e com a imaginação que nossa mente cria diante dos fatos. Aqui não faltariam exemplos para especificar isso, seja o novo emprego, a notícia que saiu no jornal, o seu colega de trabalho, o professor, o vizinho, o novo relacionamento, o antigo relacionamento... Para todos esses fatos e personagens a mente criará um pré-conceito.
Pode ser que seja algo que a mente produziu, reproduziu, ou o que é mais comum, o pensamento que surgiu e foi produto de um Modelo Mental.  
O Modelo Mental, segundo a psicóloga Susan Carey ‘’[...] representa o processo de pensamento de uma pessoa para como algo funciona (entendimento do mundo externo/o redor). É baseado em fatos incompletos, experiências passadas e até mesmo percepções intuitivas. Ajuda a moldar ações e comportamentos, influencia o que será considerado mais relevante em situações complexas e define como indivíduos confrontam e resolvem problemas. ’’


E aí surge o desafio, como ampliar essa percepção? Situação essa que precisa começar de um primeiro passo que parece ser simples. A admissão e o reconhecimento destes pensamentos.
O primeiro passo é aceitar. Não é a toa que nas reuniões dos Alcoólicos Anônimos (AA) o primeiro dos 12 passos é: ‘’Admitimos que somos impotentes perantes o álcool’’.
Este passo significa – vamos derrubar a primeira barreira, o orgulho, abraçar o lado frágil, permitir que ele se manifeste e que a porta para o encontro com os sentimentos seja aberta.
Não é preciso ser um membro do AA para perceber que esta prática deveria ser adotada no dia-a-dia diante das dificuldades. E o que acontece atualmente, é que a sociedade não admite que as pessoas tenham dificuldades. O que se vê hoje é a divulgação de manuais para driblar as dificuldades e sair por cima. E será que se encerra assim mesmo?
Será que o driblar não poder ser tido também como uma fuga dos próprios sentimentos em prol do que a ‘’maioria’’ acha o certo?
Encerro esta reflexão com as palavras sábias da oração da Serenidade. Independente de qualquer crença e ensinamento creio que todas as religiões têm ensinamentos importantes para nós humanos.

‘’Concedei-nos, Senhor, a Serenidade necessária
Para aceitar as coisas que não podemos modificar,
Coragem para modificar aquelas que podemos,
E Sabedoria para distinguir umas das outras.’’

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Filme – Midnight in Paris (2011)


Imaginação versus drama real é o tema abordado no filme Meia-noite em Paris (2011).
A agradável obra de Woody Allen retrata um conflito entre o mundo real e o mundo imaginário. No lado real estão presentes os convencionais papeis humanos – noivos, sogros, sogras –, passeios, viagens turísticas, conhecimento teórico, nenhum envolvimento emocional a respeito da história, valorização do bem material e do status. Enquanto que, no lado imaginário (Belle Époque) encontram-se personagens idealizadores, questionadores, incomuns, instigantes, repleto de significados, ambiente sem censuras e natural.
A dúvida plantada nos personagens ‘’reais’’ do filme é a mesma que fica para nós, expectadores: Afinal de contas, era apenas imaginação?
Penso que o filme retrata sim a imaginação e mais especificamente a Projeção do personagem Gil (Owen Wilson) – onde desde o início mostrou o seu desconforto consigo e com a situação que escolheu. Por isso, os acontecimentos em que se envolveu só o puxaram para as indagações que lhe incomodavam, fossem nas conversas imaginárias, quanto nas reais.
E se foi imaginação ou não, o fato é que foi um fato decisório para a escolha final do personagem.
Na ânsia de escrever uma história que impressionasse a humanidade, Gil buscou respostas através de uma tentativa desesperada de fugir da realidade. Porém, isso o fez se deparar mais ainda com suas Projeções.
Projeção para a Psicologia, especificamente para a Psicanálise - Consiste em atribuir ao outro um desejo próprio, ou atribuir a alguém, algo que justifique a própria ação.
Durante a história Gil se deparou com diversos personagens que lhe agregaram algum sentido e que o fizeram se desenvolver para então poder refletir isso em seus romances – afinal de contas – “Não existe uma história ruim, se o conteúdo for verdadeiro”. Dentre os personagens projetados, apareceram artistas renomados como Salvador Dalí, Toulouse Lautrec, Enest Hemighay, Zelda e Scott Fitzgerald, Pablo Picaso, Gertrude Stein, Cole Porter, Henri Matisse e Luis Buñel.
A história é muito rica e gostosa de ver, portanto não tenho como propósito abordar todas as cenas do filme, mas sim partes que me chamaram a atenção como estas abaixo:
- Um dos aspectos tratados em uma de suas projeções foi o medo da morte. Ao se deparar com os 2 primeiros personagens imaginários, Gil encontrou uma resposta surpreendente que lhe ensinou como aliviar este medo. O segredo estava na paixão. Descobriu que a sensação de sentir-se apaixonado e deixar ser consumido pelo ato, faz a morte nada significar. (Eros)
- Entre tantas outras projeções que apareceram no filme, achei interessantíssimo o momento que Gil deparou-se com o seu lado feminino – sua Anima (imagem da alma feminina) – personagem Adriana, que lhe mostrou um lado de paixões incontroláveis, ilimitadas, feminilidade, jeito único, sonhador, encantador e ao mesmo tempo simples. Porém, ficou clara a aparição da Anima, pois ela o incorporou significativamente, mesmo sem ser fisicamente. E no fim, ela permaneceu no plano ideal da Paris dos anos 20.
- O filme encerra com o personagem Gil sentado sozinho, com um copo de cerveja, em meio a linda Paris do século XXI, deparado com a sua realidade após uma longa viagem em si mesmo. Essa cena me lembrou um pensamento de Schopenhauer do qual diz que ”a felicidade é a ausência de sofrimento”.

E como não dizer que esta obra se trata de uma pura Projeção do próprio autor Woody Allen?

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O que sucede o ponto?

A vida pode ser poesia,
Poema curto,
Uma longa história.

Por vezes extrapola vírgulas,
Apresenta uma só frase,
Ou estrofes diversas.

Que essa prosa seja eterna,
Quanto a intensidade de um verso,
Que faz na letra o que na vida se encena.

"Fingindo ser poeta" em uma terça-feira a noite.. (que tal *Fernando Pessoa?)



*AUTOPSICOGRAFIA
 
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.


E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.


E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

 

Fernando Pessoa

sábado, 23 de julho de 2011

DROGAS - A falsa realidade

Há tempos eu estava querendo escrever algum post relacionado ao uso de drogas. Hoje, ao me deparar com toda a repercussão a respeito da morte da artista Amy Winehouse (http://www.gazetadopovo.com.br/gente/conteudo.phtml?tl=1&id=1150356&tit=Corpo-de-Amy-Winehouse-passara-por-autopsia-neste-domingo) me inspirei para refletir um pouco sobre o porquê as drogas envolvem tanto os seres humanos.
Certa vez um colega de faculdade me perguntou: ``Por que as pessoas se tornam dependentes químicas``?
E eu respondi: ``O desconforto da alma destas pessoas é suprido momentaneamente por uma aparente solução e que traz a sensação de um falso equilíbrio``.



Explicando um pouco mais...
A pessoa busca na droga o preenchimento daquilo que está faltando, busca sensações boas e em um primeiro momento ela encontrará, sem dúvidas. Esse ponto é muito interessante, pois me faz lembrar o quanto alguns pais educam seus filhos dizendo: Filho, nunca use drogas, é horrível! Porém, quando o filho experimenta, esse comentário deixa de fazer sentido e vem aquele pensamento: Meus pais não sabem o que dizem, afinal de contas isso aqui é muito bom! Juntando isso com a auto-afirmação e a (re)formação de identidade do público jovem (maior alvo)... Já podemos imaginar os resultados...
Lógico que existem várias causas para as pessoas buscarem o uso de drogas – para esquecer-se das frustrações, falta de atenção, excesso de atenção, para ser aceito pelo grupo, para sentir-se mais desinibido, para sentir-se menos agitado, ou ainda, para permitir o acesso ao mundo que sua consciência desconhece.
Uau! Stick to the point! Permitir o acesso ao mundo que a consciência desconhece, ou até mesmo que ela foge.
Em certos momentos existem forças que dominam (desejos), inconscientes, e que necessitam vir à tona. Aos que não têm estrutura para entrar em contato com esses conteúdos, a droga é uma ótima solução. Quando digo droga me refiro desde drogas lícitas (remédios, cigarros e álcool) a ilícitas (crack, oxxy, maconha, cocaína, etc.).
Bom se apenas aparecessem os conteúdos, mas não é assim. Eles sempre são moldados de acordo com as nossas projeções. E aí o buraco é mais em baixo... O mundo das fantasias não será suprido 100% na realidade. É um mundo interessante e perigoso, uma vez em contato com ele não tem mais volta. Por isso, é muito importante o acompanhamento de profissionais especializados nessa fase.
Eu poderia explanar esse assunto por páginas e páginas, mas seria um post pesado e consequentemente poderia tornar-se chato para um blog.
Aos que têm dúvidas sobre o tema Drogadição, principalmente pais que estão educando seus filhos, fica a dica: A primeira coisa é buscar o conhecimento (saber qual é a diferença das drogas, modo de uso, efeitos) e depois, não menos importante, dialogar SEMPRE com os filhos, dar abertura para o que for preciso!