sábado, 13 de junho de 2015

O Doador de Memórias (The Giver)

Filme simplesmente fantástico! Há tempos eu não compartilhava uma análise, mas esse trouxe o desejo de registro. Trazendo a mensagem mais simples e mais complexa da vida, que é a do amor, este enredo me despertou emoções.


Com o tema do amor tão presente nos últimos dias permeando o inconsciente coletivo, vejo esse momento como uma sincronicidade, um presente do Universo.

 A história do filme se inicia com uma comunidade que foi construída depois de uma ruína. E hoje todos na comunidade vivem com uma vida em perfeita harmonia, sem desigualdades, medo, dor ou inveja! Nessa comunidade habitam diversos seres humanos, cujas famílias vivem em iguais condições, seja de saúde, educação e comportamento. Sim, isso mesmo.... Comportamento! No filme, foi encontrada uma maneira de manipular os seres humanos, de forma que nenhum precise sentir o desconforto da dor, da doença, do sofrimento. Afinal de contas, em sã consciência é o que todos nós buscamos.

Todos os dias pela manhã, os seres humanos dessa comunidade recebem uma injeção, que segundo a “governança” do local, chamada de Os Anciãos, é feita para manter a saúde. Na verdade, a injeção reprime os instintos, os sonhos, e ao meu ver, serve como um bloqueio ao inconsciente.

Na comunidade também existem regras de convivência, como por exemplo não mentir, não ter contato físico com outro ser humano em público, usar somente as roupas designadas e obedecer ao toque de recolher.

Gosto de interpretar uma história pensando que ela compõe os nossos próprios personagens internos. Ou seja, Os Anciãos nada mais são que o Ego doente, contaminado por exigências sociais da perfeição, em uma eterna dança com a sua Sombra. Os Anciãos controlam e acompanham a vida de cada indivíduo da comunidade.

Há anos a comunidade funciona bem nesse modelo, porém, surge um rapaz, chamado Jonas, capaz de captar uma sensibilidade única, que é a de sentir a emoção como um ser humano normal. Ao fazer algumas viagens pelas memórias humanas, ele consegue vivenciar as aventuras da vida, o prazer de ver as cores, sentir o vento, a neve, o gosto de um beijo, o abraço, a guerra, a morte, a dor. Essas viagens são realizadas com a ajuda de um homem sábio, mais velho, que o conduz.

O filme nos possibilita entrar em contato com algumas imagens arquetípicas como:

- Herói – Jonas, recebedor das memórias
- Velho sábio – doador das memórias
- Amante – Fiona, projeção de amor do Jonas
- Inocente – bebê Gabriel
- Governante e criador – Elder, chefe dos Anciãos

Além das figuras arquetípicas, esse filme traz a transformação alquímica, pois inicia a história toda nas cores preta e branca, pois na comunidade não há cores, para não existir desigualdade. Quando Jonas inicia o treinamento de resgatar as memórias dos sentimentos humanos, a primeira transformação que ele passa, é a de enxergar as cores, sendo a vermelha a primeira delas. O vermelho dentro das fases da transformação alquímica, representa a rubedo, o quarto e último estágio da alquimia. Significando a Iluminação.

Dentre muitos ensinamentos da história, alguns me chamaram a atenção como quando o sábio explica para o herói que ter fé, é enxergar além. Só quem tem fé, ama. Só quem fé, tem esperança. Isso lembra muito o nosso querido Dom Quixote, sonhador, que nos diz que loucura é nos limitar em ver a vida como ela é, e não como ela deveria ser.

O filme traz de uma forma singela o segredo da humanidade, o cálice do Santo Graal, o troféu do herói... Aquilo que buscamos o tempo todo e está dentro de nós. Somente com a descoberta do sagrado que habita em nós mesmos, é que nos libertamos.

O amor também é acompanhado da dor, é inevitável.

Muitas vezes a vida nos traz tanto sofrimento que deixamos de lado o amar, e permanecemos em nossas comunidades egoicas, falsamente protegidas. Lembrando aqui, que amar é cada atitude, cada olhar, cada cuidado que temos conosco e com os outros. Amar é poder escolher.

Parafraseando o filme: Quando não há memórias, a liberdade é apenas uma ilusão.

Não vou entrar em detalhes sobre o final do filme, deixando apenas a bela impressão que tive. Afinal, nessa vida, o mais importante não é o destino final, mas sim o percurso.

Fecho o post, com a seguinte provocação:


Quais são as verdadeiras memórias que compõe a sua história? Qual é o seu legado?



quinta-feira, 21 de maio de 2015

Aprenda a escrever na areia – Conto árabe

João e Pedro eram grandes amigos que estavam em viagem com suas mercadorias e se depararam com um grande obstáculo a vencer: eles teriam de atravessar com sua caravana um rio grande e caudaloso.

Durante este perigoso trajeto, João teve a infelicidade de escorregar numa pedra e cair na água revolta. Pedro, seu melhor amigo, não teve dúvida: pulou na água e lutando contra a correnteza, ajudou João a sair ileso na outra margem do rio.

João então chamou seus dois mais habilidosos servos e mandou que eles entalhassem numa pedra alta que ali se achava a seguinte inscrição:

“Viajantes, neste local. Pedro, num ato heroico, salvou a vida de João, seu amigo!.”

Seguiram viagem e depois de vários meses, já voltando pra casa, chegaram novamente às margens daquele grande rio caudaloso.

Como estavam muito cansados, resolveram sentar-se à sombra daquela pedra onde estava a inscrição ordenada por João.

Conversaram por muito tempo, mas de repente começaram a discutir e no calor da hora, Pedro então esbofeteou João, que não reagiu diante à surpresa de estar sendo agredido por aquele que amava e confiava.

João então, apenas pegou o seu bastão e escreveu na areia que estava aos seus pés. “Viajantes, neste local, sem motivo nenhum, Pedro injuriou gravemente seu amigo João! ”

Vendo isso, os servos que haviam entalhado a pedra anteriormente se indignaram pelo o que havia acontecido ao seu Senhor e estranhando o ocorrido perguntaram a João:

- Senhor, quando Pedro lhe salvou a vida, o Senhor mandou escrever na pedra uma mensagem que ficará para sempre, a fim de que todos os que por aqui passem possam ver. Mas agora, quando ele lhe ofende gravemente, o Senhor escreve apenas na areia? – Quem por aqui passar ao cair da tarde já não verá mais nada, pois a inscrição terá desaparecido com o ir e vir das ondas.

João então lhes respondeu:

- É que o benefício que recebi de Pedro permanecerá para sempre em meu coração que é repleto de gratidão. Mas a injúria, quanto mais rápido ela desaparecer, melhor! – Espero que ela seja apagada para sempre das minhas lembranças.


Sendo assim, fica a mensagem para que todos façam uma reflexão sobre o que se deve “escrever na pedra” e o que se deve “escrever na areia”.

Insatisfação



Um vagalume, fazendo piscar sua luzinha ao anoitecer, olhou para o céu e suspirou:

Ah, que mísera criatura que sou, com essa luzinha acende-apaga! Quem dera eu tivesse o brilho fascinante das estrelas!

Mas lá no céu, encontravam-se as estrelas, pensando: Que majestosa é a Lua, brilha soberana e única, enquanto nós, pequenas e infinitas, de tantas que somos, nos confundimos, e qualquer fiapo de nuvem apaga nosso brilho. Como seria bom ser a Lua!

Sozinha no seu posto, entretanto, a Lua se lamentava: Que injusta a Mãe Natureza! Deu a mim essa luz pálida e ao Sol todo o brilho e esplendor! Eu é que merecia ter nascido Sol!



Entrementes, chega a aurora, rompendo as brumas e trazendo o Sol, que suspirou: Ai que dura tarefa a minha! Ter que brilhar o dia inteiro, todos os dias, ser fonte de luz e vida para todas as criaturas! E não posso falhar! Quanto me pesa esse fardo! Ah, Natureza injusta! Por que não fui nascer um simples vagalume?



A complicada arte de ver - Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".
Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

Sobre a morte e o morrer - Rubem Alves


O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de
um ser humano? O que e quem a define?


Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não quero ir embora...

Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.

Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...” 

Da. Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. "Minha filha, sei que minha hora está chegando... Mas, que pena! A vida é tão boa...”

Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.

Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse: "O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".

Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que frequentemente se dá o nome de ética.

Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.

Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida" é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?

Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.

Muitos dos chamados "recursos heróicos" para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da "reverência pela vida". Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: "Liberta-me".

Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.

Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Pedro das Flores



Era uma vez uma flor que nasceu no meio das pedras
Quem sabe como, conseguiu crescer e ser um sinal de vida no meio de tanta tristeza
Passou uma jovem e ficou admirada com a flor
Cortou a flor e a levou para a casa
Mas, após uma semana a flor tinha morrido

Era uma vez uma flor que nasceu no meio das pedras
Quem sabe como, conseguiu crescer e ser um sinal de vida no meio de tanta tristeza
Passou um homem, viu a flor, agradeceu e a deixou ali
Não quis cortá-la para não matá-la.
Mas, dias depois, veio uma tempestade e a flor morreu

Era uma vez uma flor que nasceu no meio das pedras
Quem sabe como, conseguiu crescer e ser um sinal de vida no meio de tanta tristeza
Pedro passeou no meio das pedras e, achou a flor
ele achou que aquela flor era parecida com ele
bonita, mas solitária

Decidiu voltar todos os dias
Um dia regou, outro dia trouxe terra, outro dia podou
depois fez um canteiro e colocou adubo
Um mês depois, lá onde tinha só pedras e uma flor
havia um jardim....

(Autor desconhecido)

sábado, 7 de fevereiro de 2015

A menina e o pássaro encantado (Rubem Alves)


Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.

Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…

— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…

E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.

— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.

E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.

— Tenho de ir — dizia.

— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…

— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu.

A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”




Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.

Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…

— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…

A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.

Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…

Até que não aguentou mais.

Abriu a porta da gaiola.

— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…

— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.

— Que bom — pensava ela — o meu pássaro ficará encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.

— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…

Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltar amanhã….”

E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.



sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A pessoa errada (poema de Luís Fernando Veríssimo)

Pensando bem
Em tudo o que a gente vê, e vivência
E ouve e pensa
Não existe uma pessoa certa pra gente
Existe uma pessoa
Que se você for parar pra pensar
É, na verdade, a pessoa errada.
Porque a pessoa certa
Faz tudo certinho
Chega na hora certa,
Fala as coisas certas,
Faz as coisas certas,
Mas nem sempre a gente tá precisando
das coisas certas.
Aí é a hora de procurar a pessoa errada.
A pessoa errada te faz perder a cabeça
Fazer loucuras
Perder a hora
Morrer de amor
A pessoa errada vai ficar um dia
sem te procurar
Que é pra na hora que vocês se encontrarem
A entrega ser muito mais verdadeira
A pessoa errada, é na verdade,
aquilo que a gente chama
de pessoa certa
Essa pessoa vai te fazer chorar
Mas uma hora depois vai estar enxugando
suas lágrimas
Essa pessoa vai tirar seu sono
Mas vai te dar em troca uma noite de amor inesquecível
Essa pessoa talvez te magoe
E depois te enche de mimos pedindo seu perdão
Essa pessoa pode não estar 100% do tempo
ao seu lado
Mas vai estar 100% da vida dela esperando você
Vai estar o tempo todo pensando em você.
A pessoa errada
tem que aparecer pra todo mundo
Porque a vida não é certa
Nada aqui é certo
O que é certo mesmo, é que temos que viver
Cada momento
Cada segundo
Amando, sorrindo, chorando, emocionando, pensando, agindo,
querendo,conseguindo
E só assim
É possível chegar àquele momento do dia
Em que a gente diz:
"Graças à Deus deu tudo certo"
Quando na verdade
Tudo o que ele quer
É que a gente encontre a pessoa errada
Pra que as coisas comecem a realmente funcionar direito pra gente...