sábado, 13 de junho de 2015

O Doador de Memórias (The Giver)

Filme simplesmente fantástico! Há tempos eu não compartilhava uma análise, mas esse trouxe o desejo de registro. Trazendo a mensagem mais simples e mais complexa da vida, que é a do amor, este enredo me despertou emoções.


Com o tema do amor tão presente nos últimos dias permeando o inconsciente coletivo, vejo esse momento como uma sincronicidade, um presente do Universo.

 A história do filme se inicia com uma comunidade que foi construída depois de uma ruína. E hoje todos na comunidade vivem com uma vida em perfeita harmonia, sem desigualdades, medo, dor ou inveja! Nessa comunidade habitam diversos seres humanos, cujas famílias vivem em iguais condições, seja de saúde, educação e comportamento. Sim, isso mesmo.... Comportamento! No filme, foi encontrada uma maneira de manipular os seres humanos, de forma que nenhum precise sentir o desconforto da dor, da doença, do sofrimento. Afinal de contas, em sã consciência é o que todos nós buscamos.

Todos os dias pela manhã, os seres humanos dessa comunidade recebem uma injeção, que segundo a “governança” do local, chamada de Os Anciãos, é feita para manter a saúde. Na verdade, a injeção reprime os instintos, os sonhos, e ao meu ver, serve como um bloqueio ao inconsciente.

Na comunidade também existem regras de convivência, como por exemplo não mentir, não ter contato físico com outro ser humano em público, usar somente as roupas designadas e obedecer ao toque de recolher.

Gosto de interpretar uma história pensando que ela compõe os nossos próprios personagens internos. Ou seja, Os Anciãos nada mais são que o Ego doente, contaminado por exigências sociais da perfeição, em uma eterna dança com a sua Sombra. Os Anciãos controlam e acompanham a vida de cada indivíduo da comunidade.

Há anos a comunidade funciona bem nesse modelo, porém, surge um rapaz, chamado Jonas, capaz de captar uma sensibilidade única, que é a de sentir a emoção como um ser humano normal. Ao fazer algumas viagens pelas memórias humanas, ele consegue vivenciar as aventuras da vida, o prazer de ver as cores, sentir o vento, a neve, o gosto de um beijo, o abraço, a guerra, a morte, a dor. Essas viagens são realizadas com a ajuda de um homem sábio, mais velho, que o conduz.

O filme nos possibilita entrar em contato com algumas imagens arquetípicas como:

- Herói – Jonas, recebedor das memórias
- Velho sábio – doador das memórias
- Amante – Fiona, projeção de amor do Jonas
- Inocente – bebê Gabriel
- Governante e criador – Elder, chefe dos Anciãos

Além das figuras arquetípicas, esse filme traz a transformação alquímica, pois inicia a história toda nas cores preta e branca, pois na comunidade não há cores, para não existir desigualdade. Quando Jonas inicia o treinamento de resgatar as memórias dos sentimentos humanos, a primeira transformação que ele passa, é a de enxergar as cores, sendo a vermelha a primeira delas. O vermelho dentro das fases da transformação alquímica, representa a rubedo, o quarto e último estágio da alquimia. Significando a Iluminação.

Dentre muitos ensinamentos da história, alguns me chamaram a atenção como quando o sábio explica para o herói que ter fé, é enxergar além. Só quem tem fé, ama. Só quem fé, tem esperança. Isso lembra muito o nosso querido Dom Quixote, sonhador, que nos diz que loucura é nos limitar em ver a vida como ela é, e não como ela deveria ser.

O filme traz de uma forma singela o segredo da humanidade, o cálice do Santo Graal, o troféu do herói... Aquilo que buscamos o tempo todo e está dentro de nós. Somente com a descoberta do sagrado que habita em nós mesmos, é que nos libertamos.

O amor também é acompanhado da dor, é inevitável.

Muitas vezes a vida nos traz tanto sofrimento que deixamos de lado o amar, e permanecemos em nossas comunidades egoicas, falsamente protegidas. Lembrando aqui, que amar é cada atitude, cada olhar, cada cuidado que temos conosco e com os outros. Amar é poder escolher.

Parafraseando o filme: Quando não há memórias, a liberdade é apenas uma ilusão.

Não vou entrar em detalhes sobre o final do filme, deixando apenas a bela impressão que tive. Afinal, nessa vida, o mais importante não é o destino final, mas sim o percurso.

Fecho o post, com a seguinte provocação:


Quais são as verdadeiras memórias que compõe a sua história? Qual é o seu legado?



quinta-feira, 21 de maio de 2015

Aprenda a escrever na areia – Conto árabe

João e Pedro eram grandes amigos que estavam em viagem com suas mercadorias e se depararam com um grande obstáculo a vencer: eles teriam de atravessar com sua caravana um rio grande e caudaloso.

Durante este perigoso trajeto, João teve a infelicidade de escorregar numa pedra e cair na água revolta. Pedro, seu melhor amigo, não teve dúvida: pulou na água e lutando contra a correnteza, ajudou João a sair ileso na outra margem do rio.

João então chamou seus dois mais habilidosos servos e mandou que eles entalhassem numa pedra alta que ali se achava a seguinte inscrição:

“Viajantes, neste local. Pedro, num ato heroico, salvou a vida de João, seu amigo!.”

Seguiram viagem e depois de vários meses, já voltando pra casa, chegaram novamente às margens daquele grande rio caudaloso.

Como estavam muito cansados, resolveram sentar-se à sombra daquela pedra onde estava a inscrição ordenada por João.

Conversaram por muito tempo, mas de repente começaram a discutir e no calor da hora, Pedro então esbofeteou João, que não reagiu diante à surpresa de estar sendo agredido por aquele que amava e confiava.

João então, apenas pegou o seu bastão e escreveu na areia que estava aos seus pés. “Viajantes, neste local, sem motivo nenhum, Pedro injuriou gravemente seu amigo João! ”

Vendo isso, os servos que haviam entalhado a pedra anteriormente se indignaram pelo o que havia acontecido ao seu Senhor e estranhando o ocorrido perguntaram a João:

- Senhor, quando Pedro lhe salvou a vida, o Senhor mandou escrever na pedra uma mensagem que ficará para sempre, a fim de que todos os que por aqui passem possam ver. Mas agora, quando ele lhe ofende gravemente, o Senhor escreve apenas na areia? – Quem por aqui passar ao cair da tarde já não verá mais nada, pois a inscrição terá desaparecido com o ir e vir das ondas.

João então lhes respondeu:

- É que o benefício que recebi de Pedro permanecerá para sempre em meu coração que é repleto de gratidão. Mas a injúria, quanto mais rápido ela desaparecer, melhor! – Espero que ela seja apagada para sempre das minhas lembranças.


Sendo assim, fica a mensagem para que todos façam uma reflexão sobre o que se deve “escrever na pedra” e o que se deve “escrever na areia”.

Insatisfação



Um vagalume, fazendo piscar sua luzinha ao anoitecer, olhou para o céu e suspirou:

Ah, que mísera criatura que sou, com essa luzinha acende-apaga! Quem dera eu tivesse o brilho fascinante das estrelas!

Mas lá no céu, encontravam-se as estrelas, pensando: Que majestosa é a Lua, brilha soberana e única, enquanto nós, pequenas e infinitas, de tantas que somos, nos confundimos, e qualquer fiapo de nuvem apaga nosso brilho. Como seria bom ser a Lua!

Sozinha no seu posto, entretanto, a Lua se lamentava: Que injusta a Mãe Natureza! Deu a mim essa luz pálida e ao Sol todo o brilho e esplendor! Eu é que merecia ter nascido Sol!



Entrementes, chega a aurora, rompendo as brumas e trazendo o Sol, que suspirou: Ai que dura tarefa a minha! Ter que brilhar o dia inteiro, todos os dias, ser fonte de luz e vida para todas as criaturas! E não posso falhar! Quanto me pesa esse fardo! Ah, Natureza injusta! Por que não fui nascer um simples vagalume?



A complicada arte de ver - Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".
Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

Sobre a morte e o morrer - Rubem Alves


O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de
um ser humano? O que e quem a define?


Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não quero ir embora...

Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.

Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...” 

Da. Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. "Minha filha, sei que minha hora está chegando... Mas, que pena! A vida é tão boa...”

Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.

Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse: "O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".

Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que frequentemente se dá o nome de ética.

Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.

Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida" é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?

Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.

Muitos dos chamados "recursos heróicos" para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da "reverência pela vida". Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: "Liberta-me".

Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.

Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Pedro das Flores



Era uma vez uma flor que nasceu no meio das pedras
Quem sabe como, conseguiu crescer e ser um sinal de vida no meio de tanta tristeza
Passou uma jovem e ficou admirada com a flor
Cortou a flor e a levou para a casa
Mas, após uma semana a flor tinha morrido

Era uma vez uma flor que nasceu no meio das pedras
Quem sabe como, conseguiu crescer e ser um sinal de vida no meio de tanta tristeza
Passou um homem, viu a flor, agradeceu e a deixou ali
Não quis cortá-la para não matá-la.
Mas, dias depois, veio uma tempestade e a flor morreu

Era uma vez uma flor que nasceu no meio das pedras
Quem sabe como, conseguiu crescer e ser um sinal de vida no meio de tanta tristeza
Pedro passeou no meio das pedras e, achou a flor
ele achou que aquela flor era parecida com ele
bonita, mas solitária

Decidiu voltar todos os dias
Um dia regou, outro dia trouxe terra, outro dia podou
depois fez um canteiro e colocou adubo
Um mês depois, lá onde tinha só pedras e uma flor
havia um jardim....

(Autor desconhecido)

sábado, 7 de fevereiro de 2015

A menina e o pássaro encantado (Rubem Alves)


Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.

Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…

— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…

E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.

— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.

E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.

— Tenho de ir — dizia.

— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…

— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu.

A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”




Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.

Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…

— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…

A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.

Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…

Até que não aguentou mais.

Abriu a porta da gaiola.

— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…

— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.

— Que bom — pensava ela — o meu pássaro ficará encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.

— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…

Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltar amanhã….”

E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.



sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A pessoa errada (poema de Luís Fernando Veríssimo)

Pensando bem
Em tudo o que a gente vê, e vivência
E ouve e pensa
Não existe uma pessoa certa pra gente
Existe uma pessoa
Que se você for parar pra pensar
É, na verdade, a pessoa errada.
Porque a pessoa certa
Faz tudo certinho
Chega na hora certa,
Fala as coisas certas,
Faz as coisas certas,
Mas nem sempre a gente tá precisando
das coisas certas.
Aí é a hora de procurar a pessoa errada.
A pessoa errada te faz perder a cabeça
Fazer loucuras
Perder a hora
Morrer de amor
A pessoa errada vai ficar um dia
sem te procurar
Que é pra na hora que vocês se encontrarem
A entrega ser muito mais verdadeira
A pessoa errada, é na verdade,
aquilo que a gente chama
de pessoa certa
Essa pessoa vai te fazer chorar
Mas uma hora depois vai estar enxugando
suas lágrimas
Essa pessoa vai tirar seu sono
Mas vai te dar em troca uma noite de amor inesquecível
Essa pessoa talvez te magoe
E depois te enche de mimos pedindo seu perdão
Essa pessoa pode não estar 100% do tempo
ao seu lado
Mas vai estar 100% da vida dela esperando você
Vai estar o tempo todo pensando em você.
A pessoa errada
tem que aparecer pra todo mundo
Porque a vida não é certa
Nada aqui é certo
O que é certo mesmo, é que temos que viver
Cada momento
Cada segundo
Amando, sorrindo, chorando, emocionando, pensando, agindo,
querendo,conseguindo
E só assim
É possível chegar àquele momento do dia
Em que a gente diz:
"Graças à Deus deu tudo certo"
Quando na verdade
Tudo o que ele quer
É que a gente encontre a pessoa errada
Pra que as coisas comecem a realmente funcionar direito pra gente...

domingo, 25 de agosto de 2013

O Despertar do Feminino - 2

Sagrado Feminino é o resgate de uma consciência antiga que nos retorna aos valores de nós mulheres num todo, social, pessoal, psicológico, religioso, cultural, além de uma busca pela atitude ecologicamente correta. 

Dentre essas mulheres que praticam e seguem o sagrado feminino se destacam as bruxas seguindo o sagrado que se encontra nas religiões neo pagãs, e as feministas em busca do resgate ao poder as mulheres, retirado a tempos atrás pelo patriarcado e carrega suas marcas em nossa cultura até hoje.

As mulheres que vão em busca do sagrado feminino, muitas vezes são aquelas que sentem um chamado interior, como se somente a rotina, as tendências, a moda, o trabalho, as saídas com os amigos não a completasse. Algo  lhe falta, algo de dentro e isso mais cedo ou mais tarde costuma ocorrer com todas as mulheres. Se trata do auto chamado, do encontro de você com você mesma, com sua essência, com suas verdades e sua plenitude.

Diferente das religiões, o sagrado feminino não conta com regras das quais você precisa acreditar, aqui o ideal é que você acredite em você, que aprenda a escutar sua própria voz e as suas crenças. Muito se fala dentro dessa ideologia sobre suas Deusas interiores, mas elas nada mais são que os seus arquétipos, manifestações da sua própria psique das quais nomeamos de Deusas e dependendo da sua crença você pode sim manifestar isso de forma espiritual. Aqui quem coloca as regras é o seu Self, apenas liberte-se.

Quando a mulher passa a enxergar em si uma manifestação da própria terra mãe geradora e nutridora, percebe em si os ciclos iguais aos da terra, percebe a grande energia que flui dentro do nosso corpo e da nossa mente criativa e fértil, muda sua consciência, sua confiança no seu papel no mundo seja para o que for. Está aí a grande força do sagrado feminino, trazer de dentro pra fora sua força, sua essência, descobrir sua história ancestral esquecida, se familiarizar com as deusas, compreender e aceitar os ciclos naturais do seu corpo como a menstruação, gestação, a menarca, a menopausa, os sinais da idade e até a morte.

Todas as mulheres que seguem essa antiga tradição seja através da intuição, da cura, da interação e conexão com os seres espirituais, seja através do feminismo e a luta pelo natural, pelo instintivo, seja qual for  o papel dentro dessa trilha, todas seguimos rumo ao mesmo desafio: entrar em um caminho de energias cíclicas, quebrar os padrões e retornar as raízes de nosso planeta, curar o planeta e o coração humano, auxiliando nessa nova vibração do nosso planeta.

Todos fazemos parte de uma mesma teia cósmica, portanto cada uma segue suas práticas e chegam ao seu encontro profundo da forma que mais se sentirem a vontade. O encontro com o nosso interior como preza o sagrado feminino, é um legado que toda mulher carrega pra si, é a inspiração que vem de dentro, é a canção que se escuta sem saber de onde vem, é o chamado, a premonição, a luz que se vê, o calor que se sente, a vontade de chegar a totalidade, a flor de luz que existe em cada ser.


(Roberta Struzani)


quinta-feira, 18 de julho de 2013

A raiva interior (Osho)

    Uma parte da raiva é compreensível, porque ela está relacionada com pessoas, com situações. Mas, quando essa camada superficial da raiva for removida, subitamente você chegará a uma fonte de raiva que de maneira nenhuma está relacionada com o exterior, que é simplesmente parte de você.
       Ensinaram-nos que a raiva vem somente em certas situações tensas. Isso não é verdade. Nós nascemos com a raiva, ela é parte de nós. Em certas situações, ela aflora, em outras situações, ela está inativa, mas presente.
        Assim, primeiro você precisa jogar fora a raiva que está relacionada com o exterior, e depois vem uma fonte mais profunda de raiva que não está relacionada com ninguém - aquela com a qual nascemos. Ela não é endereçada, e essa é a dificuldade de entendê-la. Mas não há necessidade de entendê-la. Jogue-a simplesmente - não sobre alguém, mas sobre um travesseiro, sobre o céu, sobre Deus, sobre mim.
        Isso vai acontecer com cada emoção. Existe uma parte do amor que está relacionada com alguém. Se você for mais fundo, um dia chegará à fonte do amor que não é endereçado. Ele não está se movendo em direção a alguém, ele está simplesmente ali dentro. E o mesmo é verdadeiro com tudo o que você sente. Tudo tem dois lados.
     Um lado, o inconsciente, o lado mais profundo, está simplesmente com você, e o superficial é o funcionamento dessa camada mais profunda nos relacionamentos. As pessoas que permanecem superficiais sempre esquecem completamente de seus tesouros internos. Quando você joga fora a raiva interior, você fica face a face com o amor interior, com a compaixão interior. O lixo precisa ser jogado fora para que você possa chegar ao mais puro ouro dentro de você.


domingo, 14 de julho de 2013

O Despertar do Feminino - 1

A minha nova proposta para a próxima série deste blog é trazer aspectos sobre a psique feminina. 

Infelizmente, no Ocidente muitas discussões sobre esse tema não são atrativas, simplesmente por não terem espaço para existir. Que tal quebrarmos este tabu e olhar a existência feminina por outro ângulo?

O texto abaixo é de Rosane Volpatto:

A negligência do aspecto interior tem levado, particularmente as mulheres, a certa falsificação de seus valores existenciais. Hoje em dia, o sucesso ou o fracasso da vida de uma mulher não é mais julgado como antigamente pelo critério exclusivo do casamento. A sua adaptação à vida agora, pode ser feita de diversas maneiras, cada uma das quais, oferecendo alguma oportunidade para resolver problemas, sejam de trabalho, de relações sociais ou necessidades emocionais.

O maior problema, observado em nossos dias é que no mundo ocidental se dá ênfase especial aos valores externos e isso tem a justa medida à natureza do homem e não da mulher. O espírito feminino é mais subjetivo, mais relacionado com sentimentos do que com leis ou princípios externos, o que acaba regando conflitos. E a resultante destes conflitos é usualmente mais devastadora para as mulheres do que para os homens.

O despertar das deusas interiores, se faz importante, particularmente para as mulheres, mas não esqueçam os homens que este caráter feminino também lhes é peculiar (anima). A maior razão da seriedade deste tema, refere-se ao recente desenvolvimento do lado masculino da mulher (animus), que tem sido uma característica marcante nestes últimos anos. Este desenvolvimento masculino, está associado às exigências do mundo dos negócios e é até considerado pré-requisito para se ganhar a vida neste mercado tão competitivo. Mas esta mudança, de caráter benéfico na vida profissional das mulheres têm causado alterações profundas na sua relação consigo mesma e com os outros. Este conflito interno estabelecido entre a necessidade de expressa-se através do trabalho como o homem faz e a necessidade interior de viver de acordo com a sua natureza feminina, entraram em "xeque-mate".

Se as mulheres (homens também) pretendem ter contato com seu lado feminino perdido, precisa m escolher um caminho que as fará despertar estas deusas adormecidas. Estes mitos e rituais de religiões antigos representam a projeção ingênua de realidades psicológicas. Não são deturpadas pela racionalização, porque em assuntos ligados ao reino do espírito, os povos primitivos e da antiguidade não pensavam, eles somente percebiam, sentiam e intuíam, como de fato ainda fazemos hoje. Consequentemente, estes produtos do inconsciente contêm um material psicológico dos mais puros e que pode ser reunido como formas de conhecimento acerca da realidade subjacente à vida do grupo, tornando-se assim, acessíveis a nós. Pois saibam todos, que quer queiram o não, nós somos geneticamente iguaizinhos aos nossos antepassados.


Jung demonstrou que deuses e rituais representavam a fantasia do grupo e que esse material é interpretado psicologicamente por um método similar ao empregado no estudo dos produtos inconscientes de homens e mulheres a nível individual. E o que se constata, através da história é que mitos e rituais se equivalem, até em detalhes, em culturas de povos bastante separados. Nos levando a concluir, que temas psicológicos gerais são verdadeiros para humanidade como um todo. E, de fato, hoje em dia os sonhos e fantasias das pessoas mostram um caráter generalizado similar, lembrando mitos antigos e primitivos. 


quinta-feira, 4 de abril de 2013

Transformar-se

O ser humano está acostumado com a rapidez nas soluções de seus problemas. Esses dias, recebi a revista do Conselho Regional de Psicologia (Ed. 84), a qual descrevia uma matéria sobre a doença do cachorro preto, a Depressão. O título da reportagem era “Dossiê Depressão, a epidemia silenciosa do século 21”. E infelizmente, tratava dados alarmantes sobre o futuro da humanidade.
A reportagem trouxe diversos dados, entre eles, o da Secretaria de Saúde de Curitiba, que registrou casos de depressão em 11% da população da cidade. Em uma pesquisa a parte, descobri a informação abaixo, a qual relata que o Brasil é o terceiro país mais deprimido do mundo.


Ok, problema percebido, diagnosticado e publicado!
Identidade pronta: "Sou um depressivo, código F31 do CID".
E agora?
A maioria dos profissionais da saúde, reforço, não é de todos aqui me refiro, receitam erroneamente medicamentos fortíssimos para os pacientes enquadrados, e aparentemente enquadrados, no código acima. E o pior, o paciente sentirá o efeito da medicação imediatamente.
Desta forma, estará coerente com a sociedade que tanto cobra as soluções rápidas e eficazes.
Mas, se esta fórmula é tão simples, será que os números da pesquisa acima descrita demonstram coerência?
Com certeza não!

Uma pessoa que desenvolve um quadro depressivo, provavelmente levou anos até encontrar-se nessa situação, e não será em uma hora e uma receita que a sua cura virá à tona.
Portanto, a impaciência e a ansiedade pelo NÃO SENTIR, intervém tanto os pacientes quanto os profissionais da saúde.
Para realizar uma cura, é necessário construir os caminhos. Quando este é vendido como uma receita mágica, desconfie!
A depressão é construída, mesmo que inconscientemente. E para curá-la, é necessário buscar ajuda especializada, pois o processo de reconstrução é delicado e profundo. Exige paciência e um bom especialista para acompanhá-lo.
O ideal é não esperar o vulcão explodir para pedir ajuda, e sim abrir os caminhos do inconsciente para que o conteúdo flua com tranquilidade.
Mortificatio
“O opus alquímico é constituído de três partes: insight, capacidade de suportar e ação. Sendo que a psicologia é necessária somente na primeira parte, porque nas outras é necessário a existência de uma força moral para possibilitar o enfrentamento das crises e de todas as passagens e transformações necessárias.” (Jung)

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A arte de desconstruir

Durante toda a vida há fatores que fazem o ser humano construir conceitos e verdades. Aprendem-se princípios e valores que farão parte das escolhas. Durante a infância é dito o que é bom e simplesmente é aceito. Na adolescência, existe um imã que faz o ser humano provar do contrário, conhecer o diferente e então reformar as suas escolhas. E então, ao chegar à vida adulta, normalmente acontece uma nova reflexão e dessa vez ela não é cheia de certezas, se aprende a conviver com as dúvidas e direcionar o foco de energia para realizar transformações.
Para construir o novo muitas vezes é necessário desconstruir o existente e suportar o vazio.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A universalização das imagens

A criança se encanta com a fantasia, com a cor, com o personagem, com a história. A criança não é uma portadora de valores e pré-conceitos, está com a mente aberta, engatinhando, como ela. Tudo é novidade.
As imagens podem atingir até aos mais sábios. Dentro das possibilidades da alma, uma imagem pode ser a porta de entrada aos sentimentos mais profundos e desconhecidos.
O que é percebido cortical-mente, nem sempre é o verdadeiro. Verdadeiro, aquilo que é belo, que se é!
Ser, ser, ser... O que significa? O que se é, dotado de significado.


“Todo ser é belo: se alguma coisa é, ela é bela”. (S. Tomás de Aquino)

Parece simples.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O tempo...

O tempo passa,
Às vezes penso que ele corre,
Em tiros rápidos, em segundos.
A luta diária para concluir todas as atividades em menos tempo possível traz consigo a pressão do pensar rápido, agir depressa e por fim, esquecer de si próprio. Vivemos na Era da crise de prioridades!
Antes eu diria, quem me dera voltar no tempo e ser uma criança sem compromissos, mas hoje já não posso dizer isto. As crianças de hoje estão como os mini adultos que eram as crianças do século passado. Claro, com propósitos diferentes. Antigamente ser adulto significava ingressar no mercado de trabalho, enfrentar rituais, obter sucesso através de um caminho sofrido para si. Batalhar para conquistar.


Hoje vejo mais do que nunca o movimento do “adultizar” crianças, mas para qual finalidade? Para serem as mais novas consumistas e com isso contribuir para a economia capitalista?
Ontem passeando em frente ao colégio que estudei 10 anos de minha vida, lembrei-me de que ao acabarem minhas aulas não se passava 15 minutos e todas as crianças já estavam com seus responsáveis indo embora. No máximo duas ou três permaneciam junto com as “tias” do colégio porque os pais não tinham condições de ir antes. E para a minha surpresa, ontem estavam cerca de trinta crianças espalhadas pelo pátio aproximadamente às 19h.
Fiquei triste, ao perceber que quem estava impondo limites a essas crianças era o porteiro da escola e fiquei pensando, cadê os papeis desta sociedade? Será que o tempo nos engole tão rápido assim como o exercício dos papeis de ser pai, mãe, filho, parente, consumidor, profissional?
A mente humana sempre esteve aprisionada em regras sociais. Independente de qual época e cultura. Preocupo-me pensando em quais são as amarras de hoje?

E aí reflito o que já se pensava antes mesmo de Cristo existir...

“... é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la”. (Epicuro)

domingo, 8 de abril de 2012

A rã e o poço

Conta-se que uma rã que vivia em um poço recebeu a visita de uma outra rã que vivia no mar, e assim começaram um diálogo:

 - De onde você vem?
 - Venho do mar.
 - E o que é o mar?
 - O mar é uma água bem grande.
 - Grande quanto, maior que esse poço?
 - Maior que esse poço, você está brincando comigo? O mar é muito e muitas vezes maior do que esse poço. 
A rá do poço desconfiada e incrédula insiste abrindo e esticando os braços e as pernas ao máximo:
 - Maior assim ?
 - Você não está entendendo o mar é maior do que qualquer tamanho de água e assim é muito maior do que esse poço.

- Vá embora daqui sua rã mentirosa não há nada maior do que esse poço!

sexta-feira, 6 de abril de 2012

PASSEIO SOCRÁTICO (Frei Betto)

"Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos, e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Em outro dia, eu observava o movimento do Aeroporto de São Paulo: a sala de espera estava cheia de Executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado o seu café da manhã em casa; mas, como a companhia aérea oferecia outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: "Qual dos dois modelos vistos por mim, até aqui, realmente produz felicidade?".
 
Passados alguns dias, encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: "Não foi à aula?". E ela me respondeu: "Não. Eu só tenho aula à tarde". Comemorei: "Que bom! Isto significa, então, que, de manhã, você pode brincar, ou dormir até mais tarde!...". "Não;", retrucou-me ela, "tenho tanta coisa a fazer, de manhã...". "Que tanta coisa?", perguntei. "Aulas de inglês; de balé; de pintura; piscina", e começou a elencar seu programa de garota robotizada... Fiquei pensando: "Que pena! A Daniela não me disse : "Tenho aula de meditação". Vê-se que estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas, emocionalmente infantilizados.
 
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo ... Mas, preocupo-me com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos. Alguns perguntarão "Como estava o defunto?". E outros responderão: "Olha..., uma maravilha, não tinha uma celulite!"...
 
Como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa? Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação, porém, de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...
 
A palavra hoje é "entretenimento". Domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil, o apresentador; imbecil, quem vai lá e se apresenta no palco; imbecil, quem perde a tarde diante da telinha... E como a publicidade não consegue vender felicidade, ela nos passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: "Se tomar este refrigerante, calçar este tênis, usar esta camisa, comprar este carro..., você chega lá!". O problema é que, em geral, "não se chega"! Pois, quem cede a tantas propagandas desenvolve, de tal maneira, o seu desejo, que acaba precisando de um analista, ou de remédios. E quem, ao contrário, resiste, aumenta a sua neurose.
 
O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: a amizade, a auto-estima, e a ausência de estresse. Mas, há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um Shopping Center. É curioso: a maioria dos Shoppings Centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles, não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de "missa de domingo". E ali dentro se sente uma sensação paradisíaca: não há mendigos, não há crianças de rua, não se vê sujeira pelas calçadas ...
 
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno: aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se vários nichos: capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Mas, aquele que só pode comprar passando cheque pré-datado, ou a crédito, ou, ainda, entrando no "cheque especial", se sente no purgatório. E pior: aquele que não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno...
 
Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald ...

Por tudo isto, costumo dizer aos balconistas que me cercam à porta das lojas, que estou, apenas, fazendo um "passeio socrático". E, diante de seus olhares espantados, explico: "Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia :

"Estou, apenas,observando quantas coisas existem e das quais não preciso para ser feliz!"

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Três fios de cabelo

Uma mulher acordou uma manhã após a quimioterapia , olhou no espelho e percebeu que tinha somente três fios de cabelo na cabeça.
- Bom (ela disse), acho que vou trançar meus cabelos hoje.
Assim ela fez e teve um dia maravilhoso.
No dia seguinte ela acordou, olhou no espelho e viu que tinha somente dois fios de cabelo na cabeça.
- Hummm (ela disse), acho que vou repartir meu cabelo no meio hoje.
Assim ela fez e teve um dia magnífico.
No dia seguinte ela acordou, olhou no espelho e percebeu que tinha apenas um fio de cabelo na cabeça.
- Bem (ela disse), hoje vou amarrar meu cabelo como um rabo de cavalo.
Assim ela fez e teve um dia divertido.
No dia seguinte ela acordou, olhou no espelho e percebeu que não havia um único fio de cabelo na cabeça.
- Yeeesss... (ela exclamou), hoje não tenho que pentear meu cabelo.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Oceano

Quem está na tormenta
Perde-se na tempestade
Atrás das ondas que enfrenta,
não há motivo, não há saudade.

No marinheiro de primeira viagem,
há uma cobiça de si.
Navegar é preciso,
viver, não é preciso.

Porém, quando a nau afunda,
sucumbe um corpo disforme.
O tesouro da terra firme,
não tem reflexo na água escura.

E quanto a alma que sobra,
se funde ao oceano, de nada.
No oceano, ele é tudo que resta.
E o que resta é do que se é feito.

E tudo perde sentido.

Nesse sal que seca por dentro,
há um denso céu no outro.
julgar as pessoas é fácil,
entendê-las, não é.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

As quatro velas

As quatro velas queimavam lentamente.

O ambiente estava tão silencioso que se podia ouvir o diálogo que mantinham.

A primeira disse: - eu sou a Paz!
Sou peregrina pelas estradas do sentimento e busco morada no coração dos homens. Viajo pelos campos devastados pelas guerras e canto a minha canção aos ouvido dos que ainda persistem nas batalhas cruéis. Penetro nos lares e espalho o perfume da minha presença. Devo admitir que, apesar da minha luz, as pessoas não têm conseguido me manter acesa.

E, diminuindo sua chama, devagarinho, a PAZ apagou-se totalmente.

Disse a segunda: - eu me chamo !
Tenho me sentido inútil entre os homens. Eles se encontram cheios de tanta tecnologia e conquistas, que não me escutam. Não querem saber das verdades espirituais. Insistentemente, tenho batido às portas da razão humana, demonstrando que, sem minha luz, logo, logo cairão em trevas densas e sofridas. Porque eu sou a chama que se apresenta quando o desengano aparece. Sou a luz que brilha na noite da desilusão. Sou a companheira dos que padecem males sem conta. Mas, como tenho sido desprezada, não faz sentido eu continuar acesa.

Ao terminar sua fala, um vento bateu levemente na FÉ e ela se apagou.
Rápida e triste a terceira vela se manifestou: - eu sou o Amor!
Não tenho mais forças para queimar. As pessoas me deixam de lado, porque tudo é mais importante do que eu: a carreira, os prazeres, as coisas materiais. Os homens só conseguem enxergar a si próprios, esquecendo-se até dos que estão à sua volta.

Dito isto, o AMOR recolheu a sua chama e se apagou.

De repente...
Entrou uma criança e viu as três velas apagadas.
- O que é isto? Vocês deviam queimar-se e estarem acesas até o fim. E, dizendo isto, começou a chorar.

Então a quarta vela falou:- não tenhas medo menino,
enquanto eu tiver fogo podemos acender as outras velas,
Eu sou a Esperança!!

O menino com os olhos brilhantes, pegou a vela que restava...
E acendeu todas as outras...

QUE A VELA DA ESPERANÇA NUNCA SE APAGUE DENTRO DE NÓS...



“Milhares de velas podem ser acesas de uma única vela e a vida da vela não será encurtada. Felicidade nunca diminui ao ser compartilhada”